quarta-feira, 18 de abril de 2012

Análise do filme “O Enigma de Kaspar Hauser”. Por Júlia Teixeira Rodrigues.

Apesar de o filme ter sido veiculado no Brasil como “O Enigma de Kaspar Hauser”, uma tradução mais literal de seu título original seria “Cada homem por si e Deus contra todos.”. O filme abre com uma pequena introdução, após a qual somos informados que um homem desconhecido foi encontrado na praça da cidade de Nuremberg, Alemanha. Ele teria aparentemente 18 anos, sabia poucas palavras e só podia andar com ajuda. O homem segurava um bilhete, onde constava somente seu nome: Kaspar Hauser. Em seguida vemos Kaspar sozinho em um calabouço, grunhindo enquanto se distrai com seu único brinquedo - um cavalo de madeira. Um homem vestido de preto aparece, veste botas em Kaspar, o ajuda a levantar e o “carrega” até a praça. Essa é a primeira vez que Kaspar sai do calabouço em 16 anos. O homem de preto, que pode ser seu pai, coloca Hauser de pé, diz “Espere por mim” e vai embora. Rapidamente pessoas nas casas em volta da praça começam a notar a presença de Kaspar. Quando interrogado, Kaspar é incapaz de responder qualquer pergunta com coerência. Os oficiais da cidade, um policial e um militar são chamados para examiná-lo, enquanto um escriba toma notas do procedimento. Kaspar traz consigo uma carta pedindo que seja aceito no regimento do Capitão, mas ele é claramente incapaz de serviço militar. Uma família o abriga e as crianças começam a ensinar palavras para ele. Alguns não acreditavam plenamente na história de Kaspar, mas após alguns episódios (o da espada e o da chama), a falta de resposta genuína dele os convence. O problema do nosso personagem principal se dá porque, seja lá por quais motivos não explicitados no filme, Kaspar foi banido durante a infancia e a puberdade de qualquer tipo de socialização. Essa socialização pode ser definida como a introdução do indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade e se inicia a partir do momento em que ele imita os papéis desempenhados por seus próximos, e vai evoluindo até o ponto em que ele desempenha um papel útil e reconhecido na comunidade.
Após algum tempo, os oficiais da cidade começam a se preocupar com o custo de manter Kaspar, por isso ele é incorporado à um show de circo. No entanto, ele lidera dois outros membros do show numa fuga e termina sua carreira no circo. Ele é então acolhido por uma ordem religiosa e vira tutelo de Daimer. O último tenta encorajá-lo a confiar nas pessoas, mas Hauser responde que todo homem é um lobo para ele. Graças ao seu tutor, Hauser adquire maiores graus de socialização e aprende a se expressar cada vez melhor. No entanto, ele continua a se surpreender com as convenções e padrões da sociedade. Alguns padres vêem Hauser como um exemplo raro de “homem puro” e por isso crêem ser importante que ele acredite em Deus, provando que a fé é um estado natural para o homem. Hauser não os satisfaz, não conseguindo aderir a fé. 
Outra passagem importante é quando ele começa a ter sonhos, apesar desses terem apenas começos e nunca fins. Nesse filme podemos perceber a estreita relação entre língua, pensamento, conhecimento e a própria construção social da realidade. Sobre a última, um dos diálogos entre Kaspar Hauser e seu protetor nos permite saber que no cativeiro ele não era capaz de sonhar e, depois, fora dele, constantemente confundia sonhos e realidade. Até mesmo a diferenciação entre sonhos e realidade é construída por meio da linguagem e das relações.
Um professor de lógica visita Hauser para testar suas habilidades de raciocínio e mais uma vez ele surpreende a todos com uma resposta alternativa e impensada para o problema proposto. Ele também questiona a lógica ao comentar a diferença de tamanho entre o calabouço e a torre. Mais tarde Kaspar é “adotado” por um homem influente da alta sociedade, mas ele não corresponde as expectativas desse homem por não conseguir, mais uma vez, se adaptar facilmente.
Um assassino, que pode ser o homem de preto do início do filme, ataca Hauser em duas ocasiões. Ele se recupera do primeiro ataque, mas o segundo se prova fatal. Uma autopsia prova que seu fígado era grande demais e seu hemisfério cerebral esquerdo (associado a fala) pequeno demais. No entanto, essas observações podem ser falaciosas e apenas inventadas por eles, já que nunca obtiveram uma resposta concreta sobre o por que do comportamento de Kaspar.
Em seu leito de morte Hauser descreve um sonho que teve recentemente. Todos os vivos, conscientes de estar aqui na terra sabem só a história de suas vidas, mas não podem saber nada de sua existência, nem antes de nascer, nem depois de morrer. Ciência, religião e lógica, todas dizem descrever as montanhas que ficam no limiar entre a vida e a morte, mas isso tudo é baseado na imaginação de várias mentes humanas. Ninguém realmente sabe a história da morte ou da pré-vida. A marcha para o norte, no sonho de Hauser, é o envelhecer. Todos devem continuar em direção ao norte apesar de não termos idéia de para onde isso levará. Como um homem excepcional, Kaspar cria um desafio para as assunções de diversas áreas, todos o vêem como um homem criança ou homem no estado puro. Por isso, quando ele rejeita suas crenças, isso parece ameaçar sua validade natural. Longe disso, Hauser é produto de circunstâncias impensáveis (16 anos de solitude). Portanto, essas circunstâncias não providenciam nem afirmação, nem negação dos conhecimentos que ele questiona. A socialização da qual Kaspar foi impedido produz interiorização de normas, valores, estruturas cognitivas e conhecimentos práticos, e seria impossível para ele absorver tais fundamentos depois de adulto, e da maneira esperada pelos membros da sociedade.
As propensões mais naturais de Hauser parecem ser uma bondade inerente e uma apreciação de beleza. Talvez o que esteja sendo sugerido é que das três grandes virtudes, verdade, bondade e beleza, a verdade é a menos importante. Além disso, é muito presente no filme uma aparente crítica à inadequação da sociedade. Apesar disso, nenhuma sugestão de mudança é feita, o espectador é abandonado para pensar uma solução.

domingo, 8 de abril de 2012

Resenha do filme “Beleza Adormecida” de Julia Leigh, 2011. Por Júlia Teixeira Rodrigues


Um dos meus maiores problemas é que é difícil eu ouvir falar de um filme e não sentir vontade de assistir. O que acaba me acontecendo é que eu assisto muitos filmes bons, muitos ruins e muitos do tipo de “Beleza Adormecida”, uma grande incógnita.
O filme, que foi o primeiro da diretora Julia Leigh, passa a primeira impressão de ser mais uma daquelas releituras do conto de fadas “A Bela Adormecida”. A conexão é ainda mais explícita no título original “Sleeping Beauty” e se fortifica graças ao tom misterioso e etéreo do filme. No entanto, o filme estrapola exageradamente a lenda, talvez com o objetivo de discutir questões e estigmas de sexualidade e da vida.
Esses estigmas são questionados através da história de Lucy, interpretada com maestria por Emily Browning. Lucy é uma universitária sem dinheiro, que parece estar desconectada de tudo que lhe acontece; ela decide sua vida sexual pela sorte de uma moeda, tem dois trabalhos dos quais não parece gostar e frequenta a faculdade com desapego. Ela parece se dispor a fazer qualquer coisa para conseguir dinheiro, até mesmo testes de laboratório com seu próprio corpo. A única coisa que parece despertar alguma emoção na garota é seu “amigo” alcoólatra, a quem ela tenta alimentar misturando gin com aveia.
Após responder um anúncio no jornal do campus, ela é recrutada para um trabalho extremamente específico do campo sexual e que traz um lucro que ela nunca teve. O resto da história, deixo para os corajosos que decidirem ver o filme. Na minha opinião, é uma obra muito interessante, que remete à Buñuel ou David Lynch. No entanto, fica claro desde o primeiro minuto que poucos apreciarão e talvez ninguém entenderá o filme da mesma maneira. O objetivo da diretora não parece ser entregar o entendimento de bandeja no colo dos espectadores, mas sim deixar que eles adaptem seu entendimento de acordo com suas experiências. É claro que isso o torna um filme aflitivo de se assistir em alguns momentos, mas nesse caso prefiro partir da máxima “Sem sofrimento a glória não se alcança”.

O Discurso do Método, Discurso Sobre o Método Para Bem Conduzir a Razão na Busca da Verdade Dentro da Ciência, René Descartes, França, 1637. Por Luisa Teixeira Rodrigues.


O Discurso do Método, ou Discurso Sobre o Método Para Bem Conduzir a Razão na Busca da Verdade Dentro da Ciência foi escrito em 1637 na França por René Descartes  e a obra é famosa até hoje, fazendo parte do estudo das matemáticas, ciências e lógica. Nos explica as regras do método e como aplicá-lo.
O livro está dividido em seis partes, e este trabalho é sobre a segunda parte.
A segunda parte do Discurso do Método fala sobre as principais regras para a prática científica. Não é uma parte que contém muitas páginas, mas seu foco narrativo é muito bem situado, determinando as regras do método, que ele divide em quatro. Alem disso, ele  faz várias divisões na hora de explicar tudo para facilitar o entendimento.
Descartes fala na primeira pessoa e começa explicando como esteve isolado por algum tempo e começou a pensar que as obras que tinham sido feitas por um único arquiteto eram mais bonitas que as que tinham sido feitas em conjunto, e que essa idéia podia ser aplicada para todas as atividades, sempre conseguindo um resultado melhor quando uma mente planeja tudo. Ele apresenta uma visão muito clara do método que projetou, deixando ao leitor isso de uma forma muito bem sinalizada pois propõe a aplicação de quatro regras.
Podemos fazer uma simplificação e enumerar as regras assim:
1.   Aceitar as informações apenas quando tiver certeza delas. Verificar a verdade, a boa procedência daquilo que se investiga – aceitar o que seja indubitável, apenas.
2.   Dividir o assunto em tantas partes quanto possível e necessário.
3.   Conduzir por ordem meus pensamentos a partir de objetos mais simples e fáceis até os mais difíceis, resumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.
4.   Efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisar minuciosamente as conclusões, garantindo que nada seja omitido
Se pensarmos na idéia de Descartes de um modo literal, teríamos um método tão perfeccionista que seria quase impossível de executar, Pois sempre é possível achar mais e mais divisões em qualquer assunto. Acho que sua intenção foi fazer do pensamento científico algo limpo e organizado, como se faz com uma tarefa qualquer. Achei sua idéia muito boa e eficaz, e acredito que treinando com disciplina podemos conseguir executar isso.
Esta seria uma obra ideal para uma pessoa que quer entender um texto muito complicado ou um assunto que não conhece tão bem pois, fazendo coisa por coisa, a pessoa poderia aprender melhor. Também poderia servir para alguém que precise fazer um resumo ou uma coisa mais bem organizada de algo, usando o método seria mais fácil e mais eficaz.
René Descartes nasceu em La Haye en Touraine, dia 31 de março de 1596 e morreu em Estocolmo, dia 11 de fevereiro de 1650. Foi um filósofo, físico e matemático francês. O pensamento cartesiano, que se refere ao seu nome, revolucionou a ciência de seu tempo.


 

terça-feira, 3 de abril de 2012

A Marca da Maldade, escrito, dirigido e estrelado por Orson Welles, EUA, 1958. Por Maria Isabel Rodrigues Teixeira.


Passei o último fim de semana numa pousada muito bacana em Santo Antonio do Pinhal, SP. Além da paisagem linda e tranqüilizante, da comida inspirada servida pelo chef Marcello Catalfamo e das instalações confortáveis e bonitas, a Pousada do Cedro ainda oferece uma seleção de ótimos filmes que podem ser assistidos no quarto ou no business center.  Escolhemos A Marca da Maldade, que por um lapso da minha educação nunca tinha visto.
Charlton Heston faz o honesto detetive mexicano Ramon Vargas, em lua de mel na fronteira México-EUA com Susan, sua esposa americana, Janet Leigh (sim, a mesma que mais tarde foi assassinada pelo mãeniaco do Hotel Bates, em Psicose). Orson Welles faz o policial corrupto, Hank Quinlan, que, tendo perdido a esposa anos atrás sem nunca conseguir achar o culpado, se transformou numa pessoa amarga e obcecada por resultados, mesmo que os ditos não sejam assim tão acurados ou corretos. Para consegui-los, não se acanha em forjar provas, ameaçar testemunhas e lançar mão de quaisquer subterfúgios. O que lhe interessa é ter um culpado nas mãos.
Logo no começo do filme ocorre um assassinato: vemos um sujeito colocando uma bomba num conversível onde em seguida embarca um rico boêmio acompanhado de uma garota. Os dois andam no carro por um tempo, passam por vários transeuntes, entre eles o detetive Vargas e sua esposa, cruzam a fronteira do México para os EUA e a bomba explode.
Como a bomba foi plantada no México e explodiu nos EUA, as autoridades dos dois lados se reúnem para desvendar o caso.
A partir daí segue-se um excelente film noir, onde o suspense prende até o fim. A trama intrincada, as cores sombrias, a cilada para uma inocente, tudo confirma o que inúmeros críticos já apontaram: este filme, além de ser um dos últimos, também é um dos melhores do gênero. Tem até a Marlene Dietrich numa ponta como a femme fatale, ex amante do vilão. 
Aliás, o elenco estelar já dá uma idéia da qualidade: Charlton Heston, legítimo representante do cinemão Hollywood, aparece com um bigodão para que ninguém esqueça que o personagem é mexicano, e Janet Leigh está ótima como a americana audaciosa e ligeiramente ingênua, que acaba vítima da associação entre a máfia e a policia corrupta. O melhor de todos, porém é o gordíssimo e torturado policial de Orson Welles, que iria apenas atuar, mas acabou dirigindo o filme porque o produtor quis agradar o astro Charlton Heston. Este aceitou o papel pensando que Welles seria o diretor. Durante as filmagens Welles mudou o roteiro várias vezes e, no fim, o estúdio não montou o filme conforme suas especificações. Só recentemente foi montada uma versão segundo a vontade dele, que é a que vimos.
Um pouco por conta dessas idas e vindas, é preciso prestar atenção para entender a história, como em todo bom noir. Claro que no final dá tudo certo (menos para os que morrem pelo caminho) e o casal central pode deixar todos os problemas para trás. Adormeci em meio a lençóis egípcios embalada pela trilha sonora de Henri Mancini.

domingo, 18 de março de 2012

Reinações de Narizinho, Monteiro Lobato, Editora Brasiliense, 1969. Por Maria Isabel Rodrigues Teixeira


Recentemente soube que Monteiro Lobato e sua obra estão sendo acusados de racismo, o que muito me surpreendeu, pois minhas lembranças não traziam essa mensagem. Fui procurar minha edição de 1969, que nem é das mais antigas e acabei descobrindo que esse e os outros livros infantis dele foram escritos nas décadas de 20 e 30 em forma de episódios, só depois reunidos em livros. Folheando o livro com a capa dura vermelha, fiz uma viagem no tempo: faz pelo menos 40 anos que li esse livro, mas várias passagens estão até hoje firmes e nítidas na minha memória. As ilustrações em preto e branco, de Andre Le Blanc estavam lá, como velhos amigos esperando o meu retorno.
Decidi não reler as Reinações de Narizinho. Elas ficarão nos recônditos da minha mente, do jeito que lá caíram quando eu não tinha mais que seis anos. Então essa resenha poderá ter falhas, muitos detalhes estão por demais enterrados para que possam ser resgatados e a visão geral está deformada pelas mudanças pelas quais eu passei, de menina a mulher.
A história se passa no Sítio do Picapau Amarelo, onde moram Dona Benta, sua neta Lucia (a Narizinho do titulo) e Tia Nastácia, a empregada negra que cozinha divinamente. Tia Nastácia fez a boneca de pano Emilia, que ganha vida e acaba se tornando um dos principais personagens. A boneca adquire o dom da fala graças a uma pílula do Dr. Caramujo, o médico da corte do Reino das Águas Claras, onde reina o Príncipe Escamado. Este último, apaixonado por Narizinho, quer casar com ela.
Pedrinho, o primo de Narizinho que mora na cidade vem passar as férias no Sítio, e é um legitimo moleque, que lá pelas tantas captura até um saci (mas acho que isso não é nesse primeiro livro...).
Completam a turma o Marquês de Rabicó, um porquinho muito interessado em tudo o que há para se comer, e o Visconde de Sabugosa, um sábio feito de sabugo de milho que morre e revive algumas vezes. O Marquês de Rabicó e Emilia se casam antes que ela perceba que ele não é um marquês de verdade.
Além destes principais, outros personagens entram e saem da trama, vindos de outras ficções ou da vida real: Aladim, Cinderela, Tom Mix (eu também não sabia quem era esse!), Chapeuzinho Vermelho, Gato Felix, o Senhor de La Fontaine, Esopo, todos numa mistura genial que me hipnotizou e encantou para sempre.
No meio disso tudo, não sei como alguém pode ficar reclamando de um aspecto que, afinal de contas, faz parte da nossa herança. Fingir que as coisas não aconteceram não vai fazer com que elas desapareçam. O personagem da Tia Nastácia não está desvinculado da realidade brasileira do começo do Século XX, e se fosse retratado de outra forma é que soaria falso. 

quarta-feira, 7 de março de 2012

O Artista, dirigido por Michel Hazanavicius, França, 2011. Por Maria Isabel Rodrigues Teixeira.

Ontem fui ver o filme mudo e em branco e preto que levou cinco dos dez prêmios Oscar a que foi indicado.
A história de George Valentin (Jean Dujardin), um famoso ator de filmes mudos que não se conforma com a transição para o cinema falado e de uma jovem atriz iniciante, Peppy Miller (Berenice Bejo), mostra a decadência dele e a ascensão dela na Hollywood do final dos anos 20.
Eu já tinha a intenção de ir, adoro um preto e branco,  mas com a premiação ficou mais fácil de ter companhia. Falando nisso, não sou especialista no assunto (apesar de já ter visto muuuuitos filmes, coloridos ou não), mas a impressão que me ficou não foi a mesma dos antiguinhos de verdade. A imagem tem uma qualidade diferente, não sei bem se é a nitidez ou o quê, mas isso não tira absolutamente a graça do filme. Pelo contrário, mostra claramente que é um filme que trata, entre outras coisas, de cinema.
Quanto às outras coisas, cada um tem a sua impressão e recebe a mensagem do seu jeito próprio. A situação vivida pelo protagonista já apareceu antes, de várias formas. Em Cantando na Chuva, quando os filmes falados surgem a personagem de Jean Hagen perde o posto para Debby Reynolds por ter uma voz de lascar. Em Nasce uma Estrela, que teve três versões filmadas, a última com Barbra Streisand e Kris Kristofferson, o artista famoso ajuda uma jovem iniciante que se torna mais bem sucedida do que ele, que começa a declinar até o fracasso.
A esposa ausente e distante (Penelope Ann Miller), o motorista fiel pau-pra-toda-obra (James Cromwell) e o dono do estúdio com seu eterno charuto (John Goodman) são todas figuras bem executadas no filme, mas já vistas e revistas muitas vezes.
Mesmo assim, como eu dizia, para cada um o impacto é diferente, e para mim, se posso me identificar com a situação, o filme é bom. Nesse sentido, com certeza este é ótimo. Eu também fiquei morrendo de vontade de levar o Valentin para a minha mansão art deco, vestindo um casaco preto maravilhoso (aliás, todas as roupas da Peppy Miller são espetaculares, adorei cada lantejoula). E a angústia dele, ao ver todo o seu mundo ruindo pela chegada de novidades muito além do previsível ou evitável, é um sentimento muito familiar nesta época que vivemos.
O George Valentin de Dujardin é um charme ambulante, e aposto que até quem não gosta de cachorro vai sair do cinema imaginando que pode ser interessante ter uma relação como a dele com seu cãozinho, Jack.
Para terminar, falemos do final. Se não quer saber como acaba, pare de ler agora. A engenhosa solução encontrada por Peppy para resgatar a auto estima, fortuna e sucesso profissional do Valentin numa tacada só, tranformando-o em dançarino sapateador, tem tudo para encerrar uma lição a todos nós. Em tempos bicudos, dancemos!

terça-feira, 6 de março de 2012

Alex no Pais dos Números, Uma Viagem ao Mundo Maravilhoso da Matemática, Alex Bellos, Companhia das Letras, 2011. Por Maria Isabel Rodrigues Teixeira.


Se você gosta de matemática, nem precisa continuar a ler. O título da obra já dá uma boa dica do assunto, e os aficionados não precisam de muito para se entusiasmar. Mas se o seu caso é o da maioria das pessoas, que precisa de um pouco mais de incentivo para se aprofundar nos mistérios numéricos, então posso sugerir a leitura deste livro que, de maneira leve e ao mesmo tempo certeira, nos conduz por vários campos da matemática.
Falando sobre como surgiram os primeiros sistemas de contagem, as origens dos números, técnicas variadas para encontrar resultados de contas e outras curiosidades, Alex Bellos vai descortinando um mundo de informações interessantes, todas interligadas por contas e mais contas.
Os capítulos sobre os números π (a razão entre a circunferência de um círculo e seu diâmetro) e a proporção áurea, são cheios de referências a vários aspectos que são permeados pelas relações entre medidas, partindo da medição física dessas medidas e expandindo o raciocínio para idéias abstratas que beiram o misticismo.
A álgebra também está bem representada, explicando o uso das letras e símbolos na matemática, sua história e de novo, muitas curiosidades, como a origem da palavra álgebra (leia para saber!) e uma ótima (e de fácil entendimento) explicação sobre logaritmos.
Como uma parte importante da matemática é a Lógica, os enigmas e as mágicas também são abordados, trazendo ainda mais diversão.
Assim como o Zero, Alex também comenta o Infinito. Eu não sabia que um infinito pode ser maior que o outro!
O capítulo sobre probabilidades pode interessar aos que têm a intenção de jogar para ganhar: a maioria dos jogos de azar está subordinada às leis da probabilidade (e não tem esse nome por acaso!). Para saber quais são as suas chances é preciso dominar a teoria!
Na seqüência das probabilidades, claro, temos a Estatística. E vamos medir pãezinhos a perder de vista! Assim como Henri Poincaré fez no século XIX, Alex pesou suas baguetes por 100 dias para ter uma amostra significativa do peso dos pães. Ambos chegaram à mesma conclusão: as medidas colocadas num gráfico formavam uma curva em forma de sino. Sim, trata-se da curva normal.
Se você não sabe do que estou falando, corra para o Alex, lá está tudo explicadinho, até mesmo o fato de que a geometria euclidiana não se aplica em qualquer caso e que existe um bicho chamado “plano hiperbólico”. Lindo nome, não? Para poder enxergar melhor essa esquisitice matemática, Daima Taimina, uma professora de matemática de Cornell, fez um modelo em crochê usando 5500 metros de fio cor de rosa.
E depois falam que matemática não tem graça!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

84th Academy Awards, mesmas piadas e nada de surpresas. Por Sarah Paulini.



A 84ª Cerimônia do Prêmio da Academia, mais conhecida como Oscar, deixou a desejar. Depois de Eddie Murphy ter recusado apresentar o tão esperado evento de Hollywood, Billy Crystal assumiu seu lugar, apresentando a cerimônia dos melhores da sétima arte. Billy Crystal é um comediante que já foi engraçado, mas infelizmente, está velho, e tivemos que aguentá-lo a noite toda depois do Tapete Vermelho. Com homenagens sem sentido e anunciantes dos vencedores sem nenhum carisma, esta 84ª edição das premiações foi uma das mais decepcionantes, e uma das mais sem surpresas também.

Todos sabem que o Oscar divide suas categorias, basicamente entre técnica e performance. Tendo dois filmes que se destacaram em cada quesito. No primeiro foi o genioso e espetacular A Invenção de Hugo Cabret, dirigido pelo injustiçado Martin Scorcese, que neste filme abandonou o mundo das máfias e da violência para dar lugar ao imaginário fantástico de Hugo e os efeitos especiais que nos deixam pensando que filmes feitos para se ver em 3D podem ser muito bons. Na categoria de performance, o grande campeão da noite foi o Artista, e a França, de Michel Hazanavicius, ganhando também por melhor diretor, melhor ator e melhor trilha sonora, por fazer o ousado, o que ninguém mais lembrava, filmes mudos em Hollywood em pleno século XXI. Realmente foi um excelente trabalho. Se fosse estreado nos anos 30, tenho certeza que iríamos lembrar deste espetacular filme até hoje como um dos clássicos do cinema mudo.

A categoria de Melhor Atriz foi muito disputada, com muitas atrizes que mereciam ganhar um Oscar, mas Meryl Streep, como toda sua elegância e competência acabou levando para casa a estatueta de ouro por interpretar Margareth Tatcher em A Dama de Ferro, no qual sua atuação e a maquiagem, que também ganhou um Oscar, foram as únicas coisas que realmente foram geniais. Infelizmente, A Dama de Ferro é um daqueles filmes que o roteiro poderia ter sido um dos mais espetaculares por se tratar de uma mulher importante e muitíssimo essencial para a história do mundo ocidental contemporâneo, mas não souberam fazer um roteiro bem feito para uma história tão rica, delegando toda a grandeza do filme à espetacular atuação de Meryl Streep, que, nas palavras de Cameron do Modern Family, poderia interpretar Batman e ainda ser a melhor escolha, foi inesquecível. Temos que lembrar também de Viola Davis, em Histórias Cruzadas, que interpretou uma babá que ainda sofria o preconceito do interior americano nos início dos anos 60, esta deveria ganhar o prêmio de segundo lugar. Logo após, temos Rooney Mara, com sua incrível metamorfose depois de Os Homens que Não Amavam as Mulheres, em que ela sai de um papel de uma garota rebelde abandonada por todos e tida como incompetente mental, para uma linda menina estilo bonequinha anos 50 na apresentação do Oscar. Gleen Close também foi premiada por transvestir-se em Albert Nobbs, representando a Inglaterra e, para completar, Michelle Williams para Sete Dias com Marylin. Acho que a Academia esqueceu-se de Tilda Swinton em Precisamos Falar Sobre o Kevin.

Para os papéis de coadjuvantes, também não tivemos muitas surpresas. Christopher Plummer ganhou seu Oscar com 82 anos por atuar em Toda Forma de Amor, em que fez o papel de um pai que, logo após que sua esposa morre de câncer, se declara gay ao seu filho e passa a namorar abertamente outro homem. Na sua premiação, Plummer brinca que com "você [estatueta do Oscar], só é 2 anos mais velha do que eu, por onde andava por toda a minha vida?", esbanjando simpatia e doçura. Já na categoria feminina do prêmio, foi premiada, merecidamente, Octavia Spencer, por seu papel em Histórias Cruzadas, também por atuar como uma babá negra que sofre preconceitos de sua patroa por usar o banheiro "dos brancos", e assim, cumpre um papel memorável com suas tortas, ajudando a personagem de Emma Stone a criar o livro que deu origem ao filme.

Dentro das categorias mais famosas, temos o melhor roteiro original e adaptado. O prêmio de melhor roteiro adaptado foi para Os Descendentes, em que, para surpresa de todos, o ator Jim Rash, o Dean Pelton de Community, ganhou junto com os roteiristas do filme que deu uma indicação para George Clooney como melhor ator. É, será que o Oscar está sendo invadido pelas séries americanas? Tina Fey apresentou também uma das categorias da noite de ontem e, ano passado, como não lembrar, tivemos Alec Balwin apresentando a cerimônia. E, para completar, o Oscar para melhor roteiro foi para Woody Allen, com seu fantástico Meia-Noite em Paris, em que ele revive personagens reais da Belle Époque da glamurosa Paris dos anos 20 e 30. Mas, como nós conhecemos Woody Allen, ele não foi receber o prêmio. Academia, Woody Allen está chateado com vocês.

Entre outros momentos memoráveis na cerimônia, que teve seu momento de ápice quando acabou pois todos estávamos com sono e entediados, tivemos momentos agradáveis, como quando Emma Stone foi apresentar sua primeira nomeação um tanto quanto stoned? E ficou falando coisas sem sentido e com uma rapidez incrível perto de Ben Stiller que ficou sem palavras. Tivemos também a apresentação sem graça de Cameron Diaz e Jennifer Lopez que tiveram que ficar de costas para que as pessoas pudessem se lembrar, ou acordar, para saber quem era pelo menos a J.Lo, com suas características latinas. Octavia Spencer, ao ganhar seu Oscar também teve seu momento de euforia, em que não sabia se agradecia ou pedia desculpas. Desculpas por que, Octavia? Por ser sensacional? Não precisava, nós te amamos. Tivemos também a dupla de O Homem de Ferro, com Gwyneth Paltrow e Robert Downey Jr., que apresentaram a premiação para melhor documentário, brincando em fazer um documentário sobre apresentadores de Oscar, e assim, arrancando as primeiras risadinhas da noite. Outro momento digno de risadinhas foi quando Will Ferrell e Zach Galifianakis apresentaram o prêmio de melhor música, em que o povo brasileiro se sentiu injustiçado mais uma vez por perderem o Oscar que Carlinhos Brown e Sergio Mendes concorriam por seu trabalho musical em Rio, perdendo para Bret McKenzie em Muppets.

Tivemos uma apresentação fraca noite passada, embora alguns filmes tenham sido geniais. Será que a Academia e seus filmes indicados estão demonstrando a queda de Hollywood, com sua ganância por bilheterias altas e efeitos especiais, esquecendo-se do que a sétima arte é feita, característica lembrada maravilhosamente bem com O Artista. Premiar um filme preto-e-branco e mudo, algo que a maioria das pessoas comuns não tem nenhum interesse, principalmente sendo um francês, mostra que é possível fazer qualidade ainda nas telas, e ainda mais, ser reconhecido? Talvez a Academia deva aprender mais com os franceses e os iranianos, que ganharam de melhor filme estrangeiro. Nesta noite, a maior campeã foi com certeza a França.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

"As Esganadas", Jô Soares Companhia das Letras, 2011 Texto por Maria Isabel Rodrigues Teixeira


Uma amiga minha me recomendou As Esganadas do Jô Soares, dizendo que rolou de rir com o livro (e ela nem é gorda). Assim, outro dia estava conferindo a livraria que substituiu a Saraiva (ou era Siciliano?) na banca da Cidade Jardim, Livraria do Alto, e topei com uma pilha de esganadas me chamando.
Realmente é bem engraçado e a mistura dos personagens reais com os fictícios torna a trama ainda mais interessante do que seria normalmente.
É bem verdade que para se aproveitar adequadamente toda a extensão da graça o leitor precisa ter uma bagagem nem tão mínima de conhecimentos gerais e História do Brasil da primeira metade do século 20. Senão corre o risco de passar mais tempo no Google que lendo o livro. 
Não tem perigo de estragar a surpresa do mistério porque logo no primeiro capítulo já fica claro quem é o culpado pelos crimes que assustam o Rio de Janeiro do final dos anos 30. Então, livres do stress de tentar descobrir quem anda matando as gorduchas, podemos nos divertir com as listas de acepipes portugueses, informações sobre futebol, música, ópera e Wagner em especial, curiosidades biológicas e, claro, o ambiente pré Segunda Guerra/Estado Novo que impregnava o Brasil na época.
O protagonista do livro, um cruzamento de Jô Soares com Sherlock Holmes com umas pitadas de Tarzan, é um simpático ex detetive português que veio ao Brasil e se tornou bem sucedido empresário da gastronomia lusitana, Tobias Esteves. As interações dele com os vários outros personagens são sempre bem humoradas e eficazes. 
E falando nos outros personagens, temos que mencionar o vilão, Caronte, um verdadeiro compêndio psiquiátrico ambulante. Com mãe dominadora, pai fraco, doença congênita, nome de barqueiro amaldiçoado e um imenso talento musical frustrado por ter que trabalhar no negócio da família, não tinha como ele não ter ficado meio desaparafusado das idéias. Ele tem até um assistente (com um apelido pra lá de sugestivo) tétrico para ajudar na funerária, que é o tal negócio da família.
A mocinha do livro, Diana, é linda, inteligentíssima, honesta, cheia de ética, independente, bem sucedida, repórter e filha de milionários, ou seja, completamente inverossímil e irresistível, e cumpre bem o seu papel ao lado da outra personagem feminina que não é gorda nem vítima: Yolanda a bela esposa do delegado Mello Noronha. As duas ajudam a compor um ótimo time formado pelo detetive português, pelo delegado e por seu assistente, Valdir Calixto. 
As vitimas formam um formidável grupo de rechonchudas senhoritas, todas pra lá de cem quilos, cada uma morta por meio de uma guloseima portuguesa. É de embrulhar o estômago. Para completar, temos um anão palhaço, rico e cantor de ópera. 
Pensando bem, o livro poderia se chamar “A Ópera do Papa-Defuntos Doido”, já que Caronte não era muito chegado a samba, nem era criolo. Boa leitura!