quarta-feira, 18 de abril de 2012

Análise do filme “O Enigma de Kaspar Hauser”. Por Júlia Teixeira Rodrigues.

Apesar de o filme ter sido veiculado no Brasil como “O Enigma de Kaspar Hauser”, uma tradução mais literal de seu título original seria “Cada homem por si e Deus contra todos.”. O filme abre com uma pequena introdução, após a qual somos informados que um homem desconhecido foi encontrado na praça da cidade de Nuremberg, Alemanha. Ele teria aparentemente 18 anos, sabia poucas palavras e só podia andar com ajuda. O homem segurava um bilhete, onde constava somente seu nome: Kaspar Hauser. Em seguida vemos Kaspar sozinho em um calabouço, grunhindo enquanto se distrai com seu único brinquedo - um cavalo de madeira. Um homem vestido de preto aparece, veste botas em Kaspar, o ajuda a levantar e o “carrega” até a praça. Essa é a primeira vez que Kaspar sai do calabouço em 16 anos. O homem de preto, que pode ser seu pai, coloca Hauser de pé, diz “Espere por mim” e vai embora. Rapidamente pessoas nas casas em volta da praça começam a notar a presença de Kaspar. Quando interrogado, Kaspar é incapaz de responder qualquer pergunta com coerência. Os oficiais da cidade, um policial e um militar são chamados para examiná-lo, enquanto um escriba toma notas do procedimento. Kaspar traz consigo uma carta pedindo que seja aceito no regimento do Capitão, mas ele é claramente incapaz de serviço militar. Uma família o abriga e as crianças começam a ensinar palavras para ele. Alguns não acreditavam plenamente na história de Kaspar, mas após alguns episódios (o da espada e o da chama), a falta de resposta genuína dele os convence. O problema do nosso personagem principal se dá porque, seja lá por quais motivos não explicitados no filme, Kaspar foi banido durante a infancia e a puberdade de qualquer tipo de socialização. Essa socialização pode ser definida como a introdução do indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade e se inicia a partir do momento em que ele imita os papéis desempenhados por seus próximos, e vai evoluindo até o ponto em que ele desempenha um papel útil e reconhecido na comunidade.
Após algum tempo, os oficiais da cidade começam a se preocupar com o custo de manter Kaspar, por isso ele é incorporado à um show de circo. No entanto, ele lidera dois outros membros do show numa fuga e termina sua carreira no circo. Ele é então acolhido por uma ordem religiosa e vira tutelo de Daimer. O último tenta encorajá-lo a confiar nas pessoas, mas Hauser responde que todo homem é um lobo para ele. Graças ao seu tutor, Hauser adquire maiores graus de socialização e aprende a se expressar cada vez melhor. No entanto, ele continua a se surpreender com as convenções e padrões da sociedade. Alguns padres vêem Hauser como um exemplo raro de “homem puro” e por isso crêem ser importante que ele acredite em Deus, provando que a fé é um estado natural para o homem. Hauser não os satisfaz, não conseguindo aderir a fé. 
Outra passagem importante é quando ele começa a ter sonhos, apesar desses terem apenas começos e nunca fins. Nesse filme podemos perceber a estreita relação entre língua, pensamento, conhecimento e a própria construção social da realidade. Sobre a última, um dos diálogos entre Kaspar Hauser e seu protetor nos permite saber que no cativeiro ele não era capaz de sonhar e, depois, fora dele, constantemente confundia sonhos e realidade. Até mesmo a diferenciação entre sonhos e realidade é construída por meio da linguagem e das relações.
Um professor de lógica visita Hauser para testar suas habilidades de raciocínio e mais uma vez ele surpreende a todos com uma resposta alternativa e impensada para o problema proposto. Ele também questiona a lógica ao comentar a diferença de tamanho entre o calabouço e a torre. Mais tarde Kaspar é “adotado” por um homem influente da alta sociedade, mas ele não corresponde as expectativas desse homem por não conseguir, mais uma vez, se adaptar facilmente.
Um assassino, que pode ser o homem de preto do início do filme, ataca Hauser em duas ocasiões. Ele se recupera do primeiro ataque, mas o segundo se prova fatal. Uma autopsia prova que seu fígado era grande demais e seu hemisfério cerebral esquerdo (associado a fala) pequeno demais. No entanto, essas observações podem ser falaciosas e apenas inventadas por eles, já que nunca obtiveram uma resposta concreta sobre o por que do comportamento de Kaspar.
Em seu leito de morte Hauser descreve um sonho que teve recentemente. Todos os vivos, conscientes de estar aqui na terra sabem só a história de suas vidas, mas não podem saber nada de sua existência, nem antes de nascer, nem depois de morrer. Ciência, religião e lógica, todas dizem descrever as montanhas que ficam no limiar entre a vida e a morte, mas isso tudo é baseado na imaginação de várias mentes humanas. Ninguém realmente sabe a história da morte ou da pré-vida. A marcha para o norte, no sonho de Hauser, é o envelhecer. Todos devem continuar em direção ao norte apesar de não termos idéia de para onde isso levará. Como um homem excepcional, Kaspar cria um desafio para as assunções de diversas áreas, todos o vêem como um homem criança ou homem no estado puro. Por isso, quando ele rejeita suas crenças, isso parece ameaçar sua validade natural. Longe disso, Hauser é produto de circunstâncias impensáveis (16 anos de solitude). Portanto, essas circunstâncias não providenciam nem afirmação, nem negação dos conhecimentos que ele questiona. A socialização da qual Kaspar foi impedido produz interiorização de normas, valores, estruturas cognitivas e conhecimentos práticos, e seria impossível para ele absorver tais fundamentos depois de adulto, e da maneira esperada pelos membros da sociedade.
As propensões mais naturais de Hauser parecem ser uma bondade inerente e uma apreciação de beleza. Talvez o que esteja sendo sugerido é que das três grandes virtudes, verdade, bondade e beleza, a verdade é a menos importante. Além disso, é muito presente no filme uma aparente crítica à inadequação da sociedade. Apesar disso, nenhuma sugestão de mudança é feita, o espectador é abandonado para pensar uma solução.

domingo, 8 de abril de 2012

Resenha do filme “Beleza Adormecida” de Julia Leigh, 2011. Por Júlia Teixeira Rodrigues


Um dos meus maiores problemas é que é difícil eu ouvir falar de um filme e não sentir vontade de assistir. O que acaba me acontecendo é que eu assisto muitos filmes bons, muitos ruins e muitos do tipo de “Beleza Adormecida”, uma grande incógnita.
O filme, que foi o primeiro da diretora Julia Leigh, passa a primeira impressão de ser mais uma daquelas releituras do conto de fadas “A Bela Adormecida”. A conexão é ainda mais explícita no título original “Sleeping Beauty” e se fortifica graças ao tom misterioso e etéreo do filme. No entanto, o filme estrapola exageradamente a lenda, talvez com o objetivo de discutir questões e estigmas de sexualidade e da vida.
Esses estigmas são questionados através da história de Lucy, interpretada com maestria por Emily Browning. Lucy é uma universitária sem dinheiro, que parece estar desconectada de tudo que lhe acontece; ela decide sua vida sexual pela sorte de uma moeda, tem dois trabalhos dos quais não parece gostar e frequenta a faculdade com desapego. Ela parece se dispor a fazer qualquer coisa para conseguir dinheiro, até mesmo testes de laboratório com seu próprio corpo. A única coisa que parece despertar alguma emoção na garota é seu “amigo” alcoólatra, a quem ela tenta alimentar misturando gin com aveia.
Após responder um anúncio no jornal do campus, ela é recrutada para um trabalho extremamente específico do campo sexual e que traz um lucro que ela nunca teve. O resto da história, deixo para os corajosos que decidirem ver o filme. Na minha opinião, é uma obra muito interessante, que remete à Buñuel ou David Lynch. No entanto, fica claro desde o primeiro minuto que poucos apreciarão e talvez ninguém entenderá o filme da mesma maneira. O objetivo da diretora não parece ser entregar o entendimento de bandeja no colo dos espectadores, mas sim deixar que eles adaptem seu entendimento de acordo com suas experiências. É claro que isso o torna um filme aflitivo de se assistir em alguns momentos, mas nesse caso prefiro partir da máxima “Sem sofrimento a glória não se alcança”.

O Discurso do Método, Discurso Sobre o Método Para Bem Conduzir a Razão na Busca da Verdade Dentro da Ciência, René Descartes, França, 1637. Por Luisa Teixeira Rodrigues.


O Discurso do Método, ou Discurso Sobre o Método Para Bem Conduzir a Razão na Busca da Verdade Dentro da Ciência foi escrito em 1637 na França por René Descartes  e a obra é famosa até hoje, fazendo parte do estudo das matemáticas, ciências e lógica. Nos explica as regras do método e como aplicá-lo.
O livro está dividido em seis partes, e este trabalho é sobre a segunda parte.
A segunda parte do Discurso do Método fala sobre as principais regras para a prática científica. Não é uma parte que contém muitas páginas, mas seu foco narrativo é muito bem situado, determinando as regras do método, que ele divide em quatro. Alem disso, ele  faz várias divisões na hora de explicar tudo para facilitar o entendimento.
Descartes fala na primeira pessoa e começa explicando como esteve isolado por algum tempo e começou a pensar que as obras que tinham sido feitas por um único arquiteto eram mais bonitas que as que tinham sido feitas em conjunto, e que essa idéia podia ser aplicada para todas as atividades, sempre conseguindo um resultado melhor quando uma mente planeja tudo. Ele apresenta uma visão muito clara do método que projetou, deixando ao leitor isso de uma forma muito bem sinalizada pois propõe a aplicação de quatro regras.
Podemos fazer uma simplificação e enumerar as regras assim:
1.   Aceitar as informações apenas quando tiver certeza delas. Verificar a verdade, a boa procedência daquilo que se investiga – aceitar o que seja indubitável, apenas.
2.   Dividir o assunto em tantas partes quanto possível e necessário.
3.   Conduzir por ordem meus pensamentos a partir de objetos mais simples e fáceis até os mais difíceis, resumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.
4.   Efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisar minuciosamente as conclusões, garantindo que nada seja omitido
Se pensarmos na idéia de Descartes de um modo literal, teríamos um método tão perfeccionista que seria quase impossível de executar, Pois sempre é possível achar mais e mais divisões em qualquer assunto. Acho que sua intenção foi fazer do pensamento científico algo limpo e organizado, como se faz com uma tarefa qualquer. Achei sua idéia muito boa e eficaz, e acredito que treinando com disciplina podemos conseguir executar isso.
Esta seria uma obra ideal para uma pessoa que quer entender um texto muito complicado ou um assunto que não conhece tão bem pois, fazendo coisa por coisa, a pessoa poderia aprender melhor. Também poderia servir para alguém que precise fazer um resumo ou uma coisa mais bem organizada de algo, usando o método seria mais fácil e mais eficaz.
René Descartes nasceu em La Haye en Touraine, dia 31 de março de 1596 e morreu em Estocolmo, dia 11 de fevereiro de 1650. Foi um filósofo, físico e matemático francês. O pensamento cartesiano, que se refere ao seu nome, revolucionou a ciência de seu tempo.


 

terça-feira, 3 de abril de 2012

A Marca da Maldade, escrito, dirigido e estrelado por Orson Welles, EUA, 1958. Por Maria Isabel Rodrigues Teixeira.


Passei o último fim de semana numa pousada muito bacana em Santo Antonio do Pinhal, SP. Além da paisagem linda e tranqüilizante, da comida inspirada servida pelo chef Marcello Catalfamo e das instalações confortáveis e bonitas, a Pousada do Cedro ainda oferece uma seleção de ótimos filmes que podem ser assistidos no quarto ou no business center.  Escolhemos A Marca da Maldade, que por um lapso da minha educação nunca tinha visto.
Charlton Heston faz o honesto detetive mexicano Ramon Vargas, em lua de mel na fronteira México-EUA com Susan, sua esposa americana, Janet Leigh (sim, a mesma que mais tarde foi assassinada pelo mãeniaco do Hotel Bates, em Psicose). Orson Welles faz o policial corrupto, Hank Quinlan, que, tendo perdido a esposa anos atrás sem nunca conseguir achar o culpado, se transformou numa pessoa amarga e obcecada por resultados, mesmo que os ditos não sejam assim tão acurados ou corretos. Para consegui-los, não se acanha em forjar provas, ameaçar testemunhas e lançar mão de quaisquer subterfúgios. O que lhe interessa é ter um culpado nas mãos.
Logo no começo do filme ocorre um assassinato: vemos um sujeito colocando uma bomba num conversível onde em seguida embarca um rico boêmio acompanhado de uma garota. Os dois andam no carro por um tempo, passam por vários transeuntes, entre eles o detetive Vargas e sua esposa, cruzam a fronteira do México para os EUA e a bomba explode.
Como a bomba foi plantada no México e explodiu nos EUA, as autoridades dos dois lados se reúnem para desvendar o caso.
A partir daí segue-se um excelente film noir, onde o suspense prende até o fim. A trama intrincada, as cores sombrias, a cilada para uma inocente, tudo confirma o que inúmeros críticos já apontaram: este filme, além de ser um dos últimos, também é um dos melhores do gênero. Tem até a Marlene Dietrich numa ponta como a femme fatale, ex amante do vilão. 
Aliás, o elenco estelar já dá uma idéia da qualidade: Charlton Heston, legítimo representante do cinemão Hollywood, aparece com um bigodão para que ninguém esqueça que o personagem é mexicano, e Janet Leigh está ótima como a americana audaciosa e ligeiramente ingênua, que acaba vítima da associação entre a máfia e a policia corrupta. O melhor de todos, porém é o gordíssimo e torturado policial de Orson Welles, que iria apenas atuar, mas acabou dirigindo o filme porque o produtor quis agradar o astro Charlton Heston. Este aceitou o papel pensando que Welles seria o diretor. Durante as filmagens Welles mudou o roteiro várias vezes e, no fim, o estúdio não montou o filme conforme suas especificações. Só recentemente foi montada uma versão segundo a vontade dele, que é a que vimos.
Um pouco por conta dessas idas e vindas, é preciso prestar atenção para entender a história, como em todo bom noir. Claro que no final dá tudo certo (menos para os que morrem pelo caminho) e o casal central pode deixar todos os problemas para trás. Adormeci em meio a lençóis egípcios embalada pela trilha sonora de Henri Mancini.