domingo, 18 de março de 2012

Reinações de Narizinho, Monteiro Lobato, Editora Brasiliense, 1969. Por Maria Isabel Rodrigues Teixeira


Recentemente soube que Monteiro Lobato e sua obra estão sendo acusados de racismo, o que muito me surpreendeu, pois minhas lembranças não traziam essa mensagem. Fui procurar minha edição de 1969, que nem é das mais antigas e acabei descobrindo que esse e os outros livros infantis dele foram escritos nas décadas de 20 e 30 em forma de episódios, só depois reunidos em livros. Folheando o livro com a capa dura vermelha, fiz uma viagem no tempo: faz pelo menos 40 anos que li esse livro, mas várias passagens estão até hoje firmes e nítidas na minha memória. As ilustrações em preto e branco, de Andre Le Blanc estavam lá, como velhos amigos esperando o meu retorno.
Decidi não reler as Reinações de Narizinho. Elas ficarão nos recônditos da minha mente, do jeito que lá caíram quando eu não tinha mais que seis anos. Então essa resenha poderá ter falhas, muitos detalhes estão por demais enterrados para que possam ser resgatados e a visão geral está deformada pelas mudanças pelas quais eu passei, de menina a mulher.
A história se passa no Sítio do Picapau Amarelo, onde moram Dona Benta, sua neta Lucia (a Narizinho do titulo) e Tia Nastácia, a empregada negra que cozinha divinamente. Tia Nastácia fez a boneca de pano Emilia, que ganha vida e acaba se tornando um dos principais personagens. A boneca adquire o dom da fala graças a uma pílula do Dr. Caramujo, o médico da corte do Reino das Águas Claras, onde reina o Príncipe Escamado. Este último, apaixonado por Narizinho, quer casar com ela.
Pedrinho, o primo de Narizinho que mora na cidade vem passar as férias no Sítio, e é um legitimo moleque, que lá pelas tantas captura até um saci (mas acho que isso não é nesse primeiro livro...).
Completam a turma o Marquês de Rabicó, um porquinho muito interessado em tudo o que há para se comer, e o Visconde de Sabugosa, um sábio feito de sabugo de milho que morre e revive algumas vezes. O Marquês de Rabicó e Emilia se casam antes que ela perceba que ele não é um marquês de verdade.
Além destes principais, outros personagens entram e saem da trama, vindos de outras ficções ou da vida real: Aladim, Cinderela, Tom Mix (eu também não sabia quem era esse!), Chapeuzinho Vermelho, Gato Felix, o Senhor de La Fontaine, Esopo, todos numa mistura genial que me hipnotizou e encantou para sempre.
No meio disso tudo, não sei como alguém pode ficar reclamando de um aspecto que, afinal de contas, faz parte da nossa herança. Fingir que as coisas não aconteceram não vai fazer com que elas desapareçam. O personagem da Tia Nastácia não está desvinculado da realidade brasileira do começo do Século XX, e se fosse retratado de outra forma é que soaria falso. 

quarta-feira, 7 de março de 2012

O Artista, dirigido por Michel Hazanavicius, França, 2011. Por Maria Isabel Rodrigues Teixeira.

Ontem fui ver o filme mudo e em branco e preto que levou cinco dos dez prêmios Oscar a que foi indicado.
A história de George Valentin (Jean Dujardin), um famoso ator de filmes mudos que não se conforma com a transição para o cinema falado e de uma jovem atriz iniciante, Peppy Miller (Berenice Bejo), mostra a decadência dele e a ascensão dela na Hollywood do final dos anos 20.
Eu já tinha a intenção de ir, adoro um preto e branco,  mas com a premiação ficou mais fácil de ter companhia. Falando nisso, não sou especialista no assunto (apesar de já ter visto muuuuitos filmes, coloridos ou não), mas a impressão que me ficou não foi a mesma dos antiguinhos de verdade. A imagem tem uma qualidade diferente, não sei bem se é a nitidez ou o quê, mas isso não tira absolutamente a graça do filme. Pelo contrário, mostra claramente que é um filme que trata, entre outras coisas, de cinema.
Quanto às outras coisas, cada um tem a sua impressão e recebe a mensagem do seu jeito próprio. A situação vivida pelo protagonista já apareceu antes, de várias formas. Em Cantando na Chuva, quando os filmes falados surgem a personagem de Jean Hagen perde o posto para Debby Reynolds por ter uma voz de lascar. Em Nasce uma Estrela, que teve três versões filmadas, a última com Barbra Streisand e Kris Kristofferson, o artista famoso ajuda uma jovem iniciante que se torna mais bem sucedida do que ele, que começa a declinar até o fracasso.
A esposa ausente e distante (Penelope Ann Miller), o motorista fiel pau-pra-toda-obra (James Cromwell) e o dono do estúdio com seu eterno charuto (John Goodman) são todas figuras bem executadas no filme, mas já vistas e revistas muitas vezes.
Mesmo assim, como eu dizia, para cada um o impacto é diferente, e para mim, se posso me identificar com a situação, o filme é bom. Nesse sentido, com certeza este é ótimo. Eu também fiquei morrendo de vontade de levar o Valentin para a minha mansão art deco, vestindo um casaco preto maravilhoso (aliás, todas as roupas da Peppy Miller são espetaculares, adorei cada lantejoula). E a angústia dele, ao ver todo o seu mundo ruindo pela chegada de novidades muito além do previsível ou evitável, é um sentimento muito familiar nesta época que vivemos.
O George Valentin de Dujardin é um charme ambulante, e aposto que até quem não gosta de cachorro vai sair do cinema imaginando que pode ser interessante ter uma relação como a dele com seu cãozinho, Jack.
Para terminar, falemos do final. Se não quer saber como acaba, pare de ler agora. A engenhosa solução encontrada por Peppy para resgatar a auto estima, fortuna e sucesso profissional do Valentin numa tacada só, tranformando-o em dançarino sapateador, tem tudo para encerrar uma lição a todos nós. Em tempos bicudos, dancemos!

terça-feira, 6 de março de 2012

Alex no Pais dos Números, Uma Viagem ao Mundo Maravilhoso da Matemática, Alex Bellos, Companhia das Letras, 2011. Por Maria Isabel Rodrigues Teixeira.


Se você gosta de matemática, nem precisa continuar a ler. O título da obra já dá uma boa dica do assunto, e os aficionados não precisam de muito para se entusiasmar. Mas se o seu caso é o da maioria das pessoas, que precisa de um pouco mais de incentivo para se aprofundar nos mistérios numéricos, então posso sugerir a leitura deste livro que, de maneira leve e ao mesmo tempo certeira, nos conduz por vários campos da matemática.
Falando sobre como surgiram os primeiros sistemas de contagem, as origens dos números, técnicas variadas para encontrar resultados de contas e outras curiosidades, Alex Bellos vai descortinando um mundo de informações interessantes, todas interligadas por contas e mais contas.
Os capítulos sobre os números π (a razão entre a circunferência de um círculo e seu diâmetro) e a proporção áurea, são cheios de referências a vários aspectos que são permeados pelas relações entre medidas, partindo da medição física dessas medidas e expandindo o raciocínio para idéias abstratas que beiram o misticismo.
A álgebra também está bem representada, explicando o uso das letras e símbolos na matemática, sua história e de novo, muitas curiosidades, como a origem da palavra álgebra (leia para saber!) e uma ótima (e de fácil entendimento) explicação sobre logaritmos.
Como uma parte importante da matemática é a Lógica, os enigmas e as mágicas também são abordados, trazendo ainda mais diversão.
Assim como o Zero, Alex também comenta o Infinito. Eu não sabia que um infinito pode ser maior que o outro!
O capítulo sobre probabilidades pode interessar aos que têm a intenção de jogar para ganhar: a maioria dos jogos de azar está subordinada às leis da probabilidade (e não tem esse nome por acaso!). Para saber quais são as suas chances é preciso dominar a teoria!
Na seqüência das probabilidades, claro, temos a Estatística. E vamos medir pãezinhos a perder de vista! Assim como Henri Poincaré fez no século XIX, Alex pesou suas baguetes por 100 dias para ter uma amostra significativa do peso dos pães. Ambos chegaram à mesma conclusão: as medidas colocadas num gráfico formavam uma curva em forma de sino. Sim, trata-se da curva normal.
Se você não sabe do que estou falando, corra para o Alex, lá está tudo explicadinho, até mesmo o fato de que a geometria euclidiana não se aplica em qualquer caso e que existe um bicho chamado “plano hiperbólico”. Lindo nome, não? Para poder enxergar melhor essa esquisitice matemática, Daima Taimina, uma professora de matemática de Cornell, fez um modelo em crochê usando 5500 metros de fio cor de rosa.
E depois falam que matemática não tem graça!